Children of the Nameless - Capítulo 5 | Magic
Escrito por MYPCards
Publicado em 04/01/2019
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- Prólogo
- Capitulo 1
- Capítulo 2
- Capítulo 3
- Capítulo 4
- Capítulo 5
- Capítulo 6
- Capítulo 7
- Capítulo 8
- Capítulo 9
- Capitulo 10
- Capítulo 11
- Capítulo 12
- Capítulo 13
Capítulo 5: Tacenda
Tacenda testou suas amarras. Estavam frouxas e ela pensou que poderia até mesmo se soltar das que atavam seus pés. Atreveria-se ela a fugir? O que conseguiria com isso?
Assim que Miss Highwater retornou após dar ordens do lado de fora do aposento, o Homem perguntou a ela se a Aldeia de Verlasen era, “Aquela com um homem furioso que cheirava a água de lavar louça.” Terá sido aquilo uma referência ao Prefeito Gurtlen da Ponte de Hremeg? De qualquer forma, Davriel fingia não ter consciência do que havia acontecido com seu povo, sua família, seu mundo inteiro.
Qual era o propósito do subterfúgio? Quem sabe que estranhas maquinações habitam o cérebro de tal criatura? pensou ela. Talvez ele deseje apenas me torturar com a incerteza.
Ela mexeu os pés, libertando-os das cordas. Deveria ela tentar atacar de novo? Tolice. Ela obviamente não poderia ferir Davriel com algo tão simples quanto um furador de gelo. Talvez ela devesse tentar a Canção de Proteção?
Ela decidiu esperar. Em pouco tempo, outro demônio entrou no quarto. Mais ou menos de sua altura, ele era retorcido e encurvado, possuindo feições que lembravam vagamente às de um focinho de um cão sem pelos. Ao contrário dos outros dois, asas negras projetavam-se de suas costas, embora fossem retorcidas e murchas.
O demônio foi até Davriel, carregando uma sacola em uma mão e um objeto embrulhado em pano na outra.
“Finalmente,” disse Davriel, erguendo e puxando um criado-mudo. “Aqui, Brerig.”
O demônio encurvado colocou o objeto na mesa e o pano deslizou, revelando um pote grande e largo de conserva com uma luz brilhante pulsando por dentro.
“Excelente,” disse Davriel.
“Charada, mestre?” perguntou Brerig, o demônio, sorrindo com uma larga boca repleta de dentes em demasia.
“Está bem.”
“Foi um fazendeiro?”
“Não. Não foi.”
“Ah. Bem.” Brerig suspirou e puxou algo de dentro do saco. Uma cabeça de homem, segurada pelo cabelo. Tacenda imediatamente passou mal. A cabeça foi preservada com algum tipo de placa de metal na parte inferior. A pele estava pálida e sem sangue, mas não apodrecida.
Ela sentiu o gosto de bile, mas forçou-se a engolir e a respirar profundamente. Era apenas outro cadáver. Ela havia visto… já havia visto muitos deles hoje.
Davriel pegou a cabeça e parafusou-a ao frasco de vidro brilhante, afixando os dois. Brerig arrastou-se até à parede, onde enxotou alguns dos diabos de pele vermelha. Miss Higwater inspecionou o pote, com seu livro-razão debaixo do braço, enquanto Crunchgnar estava próximo à porta e tirou uma faca do cinto, olhando para Tacenda.
Davriel brincou com o pote, lançando algo sobre a parte superior enquanto murmurava algo que soava como um encantamento. Então, quando ele a colocou no chão, a luz do pote desvaneceu-se — e a cabeça no topo estremeceu. Os lábios começaram a se mover, com os olhos abrindo letargicamente, olhando para um lado e depois para o outro.
“Você é um suturador?” perguntou Tacenda.
“Não me insulte, jovem”, disse Davriel.
“Um invocador de carniçais, então? Um… um necromante?”
Davriel levantou-se e girou, apontando na direção dela. “Tenho sido paciente com você até agora. Não me teste.”
Tacenda encolheu-se na cadeira. Apunhalá-lo pareceu apenas incomodá-lo, mas isso… isso parecia realmente tê-lo insultado.
“Sou um diabolista,” disse Davriel. “Um demonologista — um erudito. Meu estudo requer habilidade, esforço e perspicácia. Necromancia é uma arte de tolos, praticada por açougueiros fracassados que acham que estão sendo espertos só porque, brilhantemente, percebem que, às vezes, os cadáveres não permanecem mortos.” Ele estalou os dedos na frente dos olhos da cabeça, chamando sua atenção. Ele moveu os dedos para frente e para trás e os olhos os seguiram.
“Você já tomou nota dos tipos de pessoas que acabam praticando a necromancia?” continuou Davriel. “A arte atrai os desequilibrados, os estúpidos e os desleixados. Um número muito grande deles possui opiniões superinfladas sobre seus próprios ‘esquemas perversos’, acreditando que são rebeldes e indivíduos auto-empoderados simplesmente porque treinaram a si mesmos a olhar para um cadáver sem passar mal. Sem falar que cadáveres são servos terríveis. O trabalho inicial é um pesadelo e depois ainda tem a manutenção! O fedor! Tudo isso por um servo ainda mais burro que Crunchgnar!”
Crunchgnar rosnou baixinho ao ouvir isso. Tacenda deslizou o outro pé, libertando-o. Davriel não estava observando; ela usava uma seringa que estava na sacola para injetar algum tipo de líquido verde na cabeça.
“Mas…” Tacenda não pôde deixar de dizer, “você está trabalhando com um cadáver neste exato momento.”
“Isto?” disse Davriel. “Isto quase nem é magia. Isto é apenas um meio para um fim.” Ele terminou a injeção e a cabeça se concentrou nele de maneira mais deliberada, depois separou seus lábios.
“Você se recorda do seu nome?” Davriel perguntou à cabeça.
“Jagreth,” disse a cabeça, com os lábios movendo, embora o som parecesse vir da placa de metal que a conectava ao pote.
“Jagreth de Thraben,” disse Miss Highwater, lendo no seu livro-razão. “Cátaro, guerreiro oficial da igreja e auto-intitulado ‘caçador do mal.’ Ele era reputado por sua honra, segundo as minhas fontes.”
Eu o conheci, percebeu Tacenda. Não a cabeça dele, mas este homem — esta alma — havia passado por Verlasen alguns dias atrás, após ter ouvido sobre a morte de seus pais. Sua voz era profunda e confiante; ela o imaginou como um homem alto, de peito largo. Willia ficou caidinha por ele. Isso antes… antes dela…
Eu vim para matá-lo,” disse a cabeça, fixando o olhar em Davriel. “Homem da Mansão. O que fez comigo?”
“Apenas algumas melhorias,” disse Davriel. “Como se sente?”
“Com frio,” sussurrou o cadáver, “como se minha alma houvesse sido congelada no gelo da montanha mais alta, depois trancada em uma escuridão tão profunda que até o sol seria engolido ali.”
“Perfeito,” disse Davriel. “É o líquido de preservação fazendo o seu trabalho.” Ele bateu levemente na bochecha da cabeça. “Obrigado pelo feitiço de aprisionamento que você me deixou roubar do seu cérebro. Ele mostrou-se útil menos de meia hora atrás.”
“Seu monstro,” sussurrou a cabeça. “O que você fez comigo é uma abominação. Uma injustiça moral.”
“Tecnicamente,” disse Davriel, “eu sou a autoridade legal nesta região e você tentou me matar enquanto eu dormia. Então, eu diria que o que fiz a você é moral e justo. Mas vamos fazer um trato. Responda algumas perguntas para mim e prometo deixar o seu espírito ir.”
“Não irei ajudá-lo a trazer terror e dor para outras pessoas, demônio.”
“Ah, mas olhe para aquela pobre menina naquele cadeira,” disse Davriel, apontando na direção de Tacenda. “A aldeia inteira dela foi assassinada! Suas almas foram roubadas de seus corpos durante a noite por algum terror misterioso.”
“Foi durante o dia,” sussurrou Tacenda. “E não é misterioso. Você sabe o que aconteceu. Você foi o responsável.”
A cabeça fixou o olhar nela e suas feições suavizaram-se em simpatia. “Ah, criança,” disse a cabeça com a voz de Jagreth, o Cátaro. “Eu tentei e falhei. É como eu temia, então? Um monstro como este é raramente saciado com alguns assassinatos. Assim que sente sede de sangue, ele retorna de novo e de novo…”
Tacenda estremeceu.
“Eu realmente fico com sede,” disse Davriel. “Normalmente, eu opto por um bom vinho tinto, mas após um dia extremamente difícil, nada atinge melhor o alvo do que uma taça cheia com o sangue quente de um inocente.”
Os olhos da cabeça se voltaram para ele.
“Eu banho-me nele, sabe.” disse Davriel. “Do jeito que as histórias contam. Não importa o quão impraticável soe isso — a coagulação, as manchas — sério, tente você mesmo. Mas droga, todos vocês continuam a descobrir sobre meus nefastos morticínios noturnos. O que preciso saber é como. Como descobriram sobre mim?”
“Os membros do priorado me contaram o que você tem feito.” disse Jagreth. “Eles explicaram sobre as almas que você capturou.”
“Quem do priorado?”disse Davriel.
“A própria prioresa.”
Isso fez Davriel empedernir-se por algum motivo, com os lábios traçando uma linha.
“Todos sabem o que você tem feito,” disse Jagreth. “Você removeu as almas e deixou os corpos.”
“Mas como vocês sabem que fui eu?” perguntou Davriel. “Não sou nativo do local, mas mesmo meus poucos anos aqui ensinaram-me que vocês não têm escassez de ameaças às vidas humanas. Por que presumem que eu estou por trás disso?”
“Eu já disse a você…”
“Minha irmã viu você,” disse Tacenda, atraindo a atenção de ambos. “Ela observou enquanto você capturou meus pais dez dias atrás. Depois disso, quando você roubou as almas daqueles mercadores que viajavam entre aldeias, um sacerdote o viu. Então você pegou Willia nos campos, provavelmente com raiva visto que ela já havia escapado antes.”
“Você não pode fingir inocência, monstro,” disse Jagreth. “É difícil confundi-lo com o seu manto e máscara.”
“Meu… manto e máscara,”disse Davriel.
“Os que você usa quando visita a aldeia,” disse Tacenda. “Minha irmã viu você claramente.”
“Ela viu alguém com a meu manto e máscara,” disse Davriel. “O manto e a máscara que eu uso especificamente para ofuscar minhas feições, de modo que o meu verdadeiro eu seja irreconhecível. Ninguém viu a minha face. Correto?”
Bem, tecnicamente, a máscara e o manto foram tudo o que Willia disse ter visto. Mas todos sabiam que o Homem da Mansão era uma figura malévola que consorciava com demônios. Todos sabiam disso…
Ela olhou novamente para Davriel, com sua camisa macia, bigode fino e gravata violeta.. Com sua estranha mistura de conhecimento arcano e notável indiferença.
“Fogos do inferno,” murmurou ele. “Alguém está me imitando.”
“Uma tarefa difícil,” disse Miss Highwater. “Pense no grande número de sonecas que eles teriam que tirar.”
Davriel olhou para ela.
“Admita, Dav,” disse ela. “Seria necessário um verdadeiro mestre da imitação para se passar por você. A maioria das pessoas iria fazer algo relevante ou útil acidentalmente, e isso destruiria a ilusão completamente.”
“Vá buscar meu manto e máscara,” disse ele.
“Liberte-me,” disse a cabeça. “Eu respondi suas perguntas.”
“Eu não especifiquei uma data ou hora,” disse Davriel. “Apenas disse que iria libertá-lo. E irei. Eventualmente.”
“Tecnicalidades!”
“Até onde sei, tecnicalidades são tudo o que importa.”
“Mas…”
Davriel torceu algo na parte superior do pote e a cabeça ficou frouxa, o queixo caído, os olhos rolando para o lado. O pote embaixo preenchido novamente com luz brilhante.
Miss Highwater vasculhou um guarda-roupa ao lado do quarto. Ela puxou um manto preto profundo, com a parte inferior particularmente esfarrapada e fantasmagórica, como o espírito desgastado de um geist assombrador. A máscara dourada estava com uma forma demoníaca com grandes olhos escuros, linhas sinuosas e uma boca aterradora que lembrava uma mandíbula com a a pele removida. Era o que o Homem usava quando saía em público.
“Bem,” disse ela, “sua vestimenta ainda está aqui. Então o imitador fez sua própria cópia.”
“Mas por quê?” perguntou Tacenda. “Que razão teria alguém para imitá-lo?”
“Miss Highwater,” disse Davriel, “quantas vezes você disse que eu fui atacado nas últimas semanas?”
“Quatro,” disse ela. “Cinco, se você contar a garota, suponho.”
Davriel se jogou na cadeira, esfregando a testa. “Que dor. Alguém está se divertindo por aí e colocando a culpa em mim. Como poderei realizar algum trabalho assim?”
“Trabalho?” perguntou Miss Highwater. “Que trabalho?”
“Principalmente lembrar você de fazer coisas,” disse ele. “Não quero você enrolando. Escrevi uma nota para mim mesmo sobre isso outro dia…” Ele deu um tapinha no bolso, depois estendeu a mão para o paletó e tirou um pedaço de papel, que estava ensanguentado de sua facada. Olhou fixamente para Tacenda.
“Você… realmente não fez aquilo, não é?” perguntou Tacenda. “Você não matou a minha aldeia.”
“Fogos do inferno, não. Por que eu arruinaria a aldeia que fornece meu chá? Mesmo que sua colheita tenha atrasado este ano.” Ele olhou para Tacenda.
“Estivemos ocupados,” disse ela. “Sendo assassinados.”
“Que confusão,” disse Davriel. “Não posso tolerar alguém me imitando. Miss Highwater, mande Crunchgnar e, quem sabe, Verminal para investigar quem possa ter feito isso. E veja se podemos conseguir mais camponeses. Talvez deva prometer cessar as chicotadas pelos dois primeiros anos, para ver se isso atrai alguns colonos?”
“Você vai enviar os demônios?” perguntou Tacenda. “Você nem mesmo irá pessoalmente?”
“Muito ocupado,” disse ele.
“Ele tem que tirar o cochilo do fim de tarde,” disse Miss Highwater. “Depois um gole de vinho pela noite. Dormir, em seguida. Depois uma soneca matinal.”
Tacenda ficou perplexa por causa de Davriel, que recostou-se na cadeira. Talvez ele não tivesse matado as pessoas de sua aldeia, mas alguém estava liderando os Sussurradores quando eles atacaram. Ela havia ouvido seus passos e alguém foi visto usando o manto e a máscara de Davriel.
O assassino e os geists que o serviam ainda estavam à solta. Verlasen não era a única aldeia na região; havia mais duas, além do povo do priorado. Centenas de outras almas estavam em perigo. E Davriel não iria sequer deixar sua mansão?
Tacenda sentiu sua raiva aumentar novamente. Talvez este homem não tenha matado seus amigos e familiares, mas seu governo incompetente e egoísta compartilhava a culpa pelas mortes. Tacenda levantou-se livrando-se das cordas.
Crunchgnar, que estava observando a cena, posicionou-se na frente da porta para impedir sua fuga. Mas Tacenda não tentou escapar. Ela saltou para a frente e apanhou o pote brilhante da mesa perto de Davriel, depois, sem pensar duas vezes, atirou-o no chão, quebrando-o e fazendo a cabeça rolar para longe.
A luz brilhante da alma dentro do pote escoou para fora e ela ouviu um suspiro bem peculiar quando o cátaro aprisionado escapou de seu tormento. A luz flutuou, assumindo vagamente a forma do homem, exatamente como ela o havia imaginado, com aquela mandíbula quadrada e um ar nobre, envolto na capa áspera de um caçador.
Evidentemente, o colarinho era um pouco exagerado.
Muito… Muito obrigado… Uma voz, como se tivesse sido soprada pelo vento, atravessou o quarto.
Davriel observava com uma expressão que ela não conseguia ler. Surpresa? Horror pelo que ela fez com o seu prêmio?
“Tecnicalidade ou não,” disse ela. “Você deveria cumprir a sua palavra. Tenho certeza que um verdadeiro necromante saberia…”
“Muito obrigado… muighugh Muitahhhhhhhhh…
Tacenda hesitou, depois virou-se na direção do espírito que, em vez de ter se dissipado como ela supunha, estava ficando mais brilhante. Seus olhos ficaram maiores à medida que escureciam, distorcendo o rosto. Seus dedos se esticaram e ele adotou um sorriso perverso e torto.
“Cátaro Jagreth?” perguntou ela.
A coisa atacou, cortando com dedos afiados através de seu antebraço, sem fazer com que ela sangrasse, mas sentisse uma intensa e gélida dor. Ela ofegou e tropeçou para trás. A coisa, enlouquecida, lançou-se contra Davriel.
Crunchgnar chegou primeiro. O enorme demônio bloqueou o espírito, tocando-o como se ele fosse físico, e lançou-o para trás. O espírito soltou um gemido de raiva que fez os ouvidos de Tacenda doerem, levando-a apertar as mãos sobre eles, gritando.
O espírito parécia ser capaz de decidir se era físico ou não, pois, embora Crunchgnar pudesse tê-lo tocado inicialmente, o espírito se desvanecia e flutuava como cortinas esvoaçantes. Ele repetia uma versão distorcida de “muito obrigado” várias vezes, cada uma mais errada do que a anterior.
O espírito fluiu na direção de Davriel, escurecendo e tornando-se menos transparente. Crunchgnar sacou uma espada de sua bainha e o fraco brilho de poder da arma fez o espírito hesitar.
Então Davriel, com fumaça vermelha preenchendo seus olhos, tornando-os carmesim, ergueu-se e soltou um jato de chamas de suas mãos, um calor tão intenso que Tacenda gritou. O espírito guinchou na mesma medida do centro da imolação, depois encolheu-se, murchando antes de queimar por inteiro.
Ele deixou uma cicatriz chamuscada e enegrecida no tapete e na estante de livros atrás. Tacenda olhou boquiaberta, segurando o braço, que ainda estava gelado onde havia sido cortado.
A fumaça vermelha desapareceu dos olhos de Davriel. Ele fez uma careta, como se usar a magia lhe causasse dor. Ele esfregou as têmporas e balançou a cabeça. “Bem, isso foi emocionante. Obrigado, Crunchgnar, pela intervenção oportuna.”
“Eu terei a sua alma, diabolista,” vociferou Crunchgnar . “Eu não esqueci do nosso acordo.”
Davriel se aproximou e chutou o tapete queimado. “Os fabricantes de tapetes viviam em sua aldeia?”
“Mestra Gritich e sua famíllia,” disse Tacenda. “Sim”.
“Droga,” disse Davriel. “Quero que você saiba, garota, que eu roubei a magia de fogo da mente de um piromante particularmente perigoso. Estava guardando-a para uma emergência.”
“O cátaro…” Tacenda piscou. “Ele me atacou…”
“Espíritos libertos ou geists, como você os chama, podem ser perigosos e imprevisíveis. A maioria esquece de si mesmos quando separados de seus corpos, retendo os mais fracos indícios de memória. O que você fez foi insensato e imprudente.”
“Desculpe-me.” Ela desviou o olhar do tapete marcado, pressionando o braço contra o peito.
“Ótimo. Fico feliz em ouvir isso.” Davriel acenou com a cabeça em direção a ela. “Miss Highwater, veja o que a menina pode lhe contar sobre esse impostor, então jogue-a na floresta. Diga aos diabos que eles poderão ficar com ela se ela tentar esgueirar-se por aqui novamente.”
“Você não vai vasculhar a mente dela por talentos que você possa roubar?” disse Miss Highwater.
“O fedor do Pântano está sobre ela toda,” disse Davriel. “Não, obrigado. Já tenho dores de cabeça suficientes no momento.”
Um dos demônios, o encurvado que eles chamavam de Brerig, pegou Tacenda pelo braço e começou a tirá-la do quarto. Sua pele era surpreendentemente macia.
Tacenda resistiu, tentando livrar-se das mãos do demônio. “Espere,” disse ela, “Minha viola de gamba!”
Atrás deles, um diabo mexia no instrumento. Davriel acenou com um gesto improvisado e o diabo veio bamboleando, entregando a viola a ele.
“Eu…” disse Tacenda. “Por favor. É tudo o que me resta.”
“É um bom instrumento,” disse Davriel. “Deve vender pelo suficiente para comprar um novo tapete. Mas coopere com Miss Highwater, conte a ela tudo que sabe sobre esse impostor e deixarei que fique com ela. Você viu esse manto e a máscara pessoalmente?”
“No,” disse Tacenda, murchando. “Eu sou… cega durante os dias. A benção do Pântano me amaldiçoou também, como pagamento pelas músicas que ele dá…”
Davriel suspirou, depois fez um movimento de afugentar.
Brerig puxou Tacenda pelo braço em direção à porta. “Venha,” disse o demônio. “Venha. Venha e irei te contar uma charada. Elas são divertidas. Venha.”
Ela resistiu por mais um momento, então, quando Miss Highwater juntou-se a eles, finalmente cedeu ao estímulo surpreendentemente gentil de Brerig. Ela havia escapado da morte três vezes esta noite. Os Sussurradores. O Pântano. O Homem da Mansão.
“Você não viu o impostor,” disse Miss Highwater, com uma caneta escura posicionada sobre seu livro-razão enquanto caminhava. “O que você viu de fato?”
“Apenas corpos,” disse Tacenda. “Tantos corpos. Eu deveria habitar entre eles. Meu lugar é em um túmulo…”
“Eles perderam a cor da pele?” perguntou Davriel de sua cadeira, ainda brincando com a viola dela. “Depois que eles foram pegos, tornaram-se pálidos ou acinzentados?”
Tacenda parou ao lado da porta e os demônios não a forçaram a prosseguir.
“Eles pareciam exatamente como eram quando vivos,” respondeu Tacenda. “Apenas azuis ao redor dos lábios. Seus membros enrijeceram e assim permaneceram por algumas horas, estranhamente rígidos, antes de finalmente amolecerem.”
“Animação suspensa precedida por uma drenagem direta de alma,” disse Davriel distraidamente. “Provavelmente o resultado de algum aspirante a necromante colhendo almas. Bem, poderia ser pior. Se Miss Highwater puder encontrar as almas, suponho que poderíamos restaurá-los antes que os corpos apodreçam. Então eu não teria que encomendar uma nova aldeia.”
Tacenda sentiu um sobressalto. Ele acabou de dizer…
“Restaurá-los?” perguntou Tacenda. “Você quer dizer trazê-los de volta à vida?“
“Possivelmente,” disse ele. “Eu teria que ver os corpos para ter certeza. Mas, pela descrição, esse estado deve ser reversível e isso certamente seria mais fácil do que cultivar novos camponeses da maneira tradicional.”
“Embora não seja tão divertido quanto”, observou Miss Highwater. “Venha, vamos parar de incomodar o Lorde Cane.”
O demônio Brerig puxou o braço de Tacenda, mas algo profundo dentro dela, algo que ela supunha estar murcho e sem vida, agitou-se.
Trazê-los de volta. Ela poderia trazê-los de volta?
“Quanto tempo?” disse ela. “Quanto tempo nós temos?”
“Você ainda está aqui?” perguntou Davriel.
“Quanto tempo?”
Crunchgnar deu um passo à frente, afastando Miss Highwater, com a espada fora da bainha e apontada para Tacenda.
Então Tacenda começou a cantar.
Embora ela pretendesse começar de forma moderada, aquela esperança, aquele calor, explodiu dela em uma nota pura, solitária e forte. Como o repique de um sino da manhã, saiu a primeira nota da Canção de Proteção.
Os demônios e os diabos no quarto gritaram de dor, em uma harmonia afiada e extravagante. Brerig choramingava e Miss Highwater recuou com as mãos nos ouvidos. Mesmo Crunchgnar, com seus mais de dois metros de altura e terríveis chifres, tropeçou e titubeou. Os diabos espalharam-se com gritos coletivos de agonia.
Sua viola, ainda nas mãos de Davriel, tocava a mesma nota: um tom exigente e implacável. Isso acontecia às vezes. Seus tambores faziam o mesmo.
Ela continuou a música, cada nota mais alta que a anterior. Os três demônios se encolheram, gemendo em agonia, segurando suas cabeças. Davriel, no entanto, apenas empurrou o instrumento flutuante para o lado com um dedo, depois se levantou com um movimento deliberado.
A canção não afetou Davriel. Ele… ele realmente era humano. Da mesma forma que muitas magias de proteção, as pessoas eram imunes.
Davriel foi até Tacenda, que deixou sua canção morrer. Sua viola flutuou até o chão diante da cadeira de Davriel e os três demônios caíram bruscamente. Os gritos dos diabos ainda ecoavam nos outros aposentos.
“A proteção do Pântano,” disse Davriel. “Uma bela demonstração. O que quer que tenha levado as pessoas da sua aldeia, obviamente, estava com medo de você, e é por isso que você ainda está viva.”
“Quanto tempo?” disse ela. “Por quanto tempo durará o meu povo? Se eu pudesse encontrar suas almas…”
“Depende,” disse Davriel. “A maioria das colheitas violentas de almas mata as vítimas imediatamente, frequentemente com feridas físicas. Peitorais explodindo e todo drama do tipo. Mas o que você descreveu soa mais como o resultado de uma projeção involuntária, onde a alma é afastada do corpo. Isso muitas vezes leva o corpo a uma breve hibernação catatônica.”
“Como…”
“Dois dias, três talvez,” disse Davriel. “Depois disso, a alma não reconhecerá o corpo como seu, e o corpo terá começado a se decompor de qualquer maneira.”
Então os pais dela… os pais dela realmente se foram. Mortos há dez dias e retomados pelo Pântano. Mas sua irmã, Willia, está deitada sobre uma tábua no priorado. Ela não fora devolvida ao Pântano, pois adorava ao Anjo. Poderia ela ser salva? E Joan, a xilógrafa. O pequeno Ahren e Victre…
“Você tem que ajudá-los,” disse ela. “Você é o senhor deles.”
Davriel deu de ombros.
“Se você não o fizer,” disse Tacenda. “Eu irei… Eu…”
“Me divirto ouvindo essa ameaça.”
“Me certificarei de que você nunca mais consiga tirar outra soneca.”
“Você verá que eu…” Ele parou. “O quê?”
“Viajarei a Thraben,” disse Tacenda. “Irei a todas igrejas e cantarei para eles sobre o ‘necromante dos Acessos.’ Sei cantar mais do que a Canção de Proteção. Tenho outras músicas, com outras emoções. Farei com que eles o odeiem. O terrível Lorde Davriel Cane, o homem que roubou as almas de uma aldeia inteira.”
“Você não se atreveria.”
“Eu me derramarei em lágrimas,” ameaçou ela, “diante de cada pretendente a cavaleiro, herói aventureiro e caçador e em busca de reputação. Enviarei um fluxo interminável de campeões justiceiros aos Acessos, até que eles entupam as pontes em sua ânsia de virem aqui incomodá-lo.”
“Eu poderia simplesmente matá-la.”
“E minha alma permanecerá!” disse Tacenda. “Como um fantasma pesaroso. A menina das florestas, cuja família inteira foi tomada por Davriel dos Acessos! Cantarei baladas! Viva ou morta, os enviarei para perturbá-lo! E… e desenharei mapas para eles. E retratos do se rosto. E…”
“Chega, garota,” disse Davriel. “Duvido que você teria a força de vontade para continuar esse esforço bobo como um geist.”
Tacenda mordeu o lábio. Apesar de suas palavras, Davriel parecia preocupado. Irritado, em verdade, mas parecia — para este homem — ser o melhor que ela poderia esperar.
“Você sabe que eles virão atrás de você,” disse Tacenda. “Mesmo se você me matar. Uma aldeia inteira? Os rumores vão se espalhar. Por décadas adiante, as pessoas continuarão a tentar te matar. Você provavelmente está certo quando diz que eu não poderia fazer muito para inspirar mais, mas duvido que precisaria fazer qualquer coisa. Pense no inconveniente que isso causará. No entanto, uma noite de trabalho leve poderia impedir tudo isso. Sem muito esforço. Apenas vá olhar os corpos dos caídos e tente descobrir o que pode ter roubado suas almas.”
“Sua argumentação é estranhamente persuasiva, criança.” Ele suspirou. “Miss Highwater? Você está bem?”
A mulher demônio ergueu-se do chão e balançou a cabeça, ainda parecendo atordoada pelos efeitos da Maldição de Proteção. “Bem o suficiente, creio eu,” disse ela.
“Então… prepare a minha carruagem. Vamos visitar essa aldeia. Talvez possamos encontrar algum chá que tenham esquecido de entregar.”
Continua (…)
Agradecendo muito ao pessoal da mythologica, quem está fazendo esse trabalho impressionante de tradução!!
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